sexta-feira, 20 de abril de 2012

Cemitério (2010)


Depois de quase dois anos desempregado, Valdeci conseguiu uma entrevista de emprego. Seu primo Roberval trabalha em um cemitério e lhe disse que estavam precisando de coveiro e iria indicá-lo para a vaga, mas precisaria estar no cemitério na segunda-feira às oito horas da manhã para fazer uma entrevista.
Sem hesitar, com a oportunidade de voltar ao mercado de trabalho, Valdeci acordou cedo. Tomou uma xícara de café preto e comeu um pão com margarina, pois em tempos difíceis o leite é para as crianças e não se pode dar ao luxo de comprar geléia, queijo ou presunto. Colocou sua melhor calça e sua melhor camisa, mesmo que seja para trabalhar como coveiro não se pode aparecer de qualquer jeito em uma entrevista de emprego.
Saiu de casa apenas com o dinheiro do ônibus. Depois de cinqüenta minutos sacolejando em um ônibus cheio chegou ao cemitério “Boa Viagem.” O senhor Antônio, o gerente, já estava esperando. A entrevista foi rápida, e Valdeci saiu de lá com um “Manuel do coveiro: doze passos para o sucesso como coveiro”, pois no dia seguinte faria um teste prático para garantir a vaga.
Valdeci voltou para casa cheio de esperanças, e depois do almoço começou a estudar o manual do coveiro, que se dividia em doze capítulos. O primeiro falava sobre a importância de escolher o material certo, onde numa breve passagem introdutória apresentava todo o tipo de material abordado nas páginas seguintes, como: os diversos tipos de pás, picaretas, luvas e similares, assim como a necessidade vital de se fazer uma manutenção adequada. Os capítulos seguintes tratavam das medidas de segurança, os deveres da escavação de túmulos, a importância de se escolher uma boa pá, o sucesso da carreira das artes funerárias, o funcionamento do cemitério, mas foi o último que chamou mais a atenção de Valdeci, o respeito ao cemitério. Suas páginas eram recheadas de dicas como: “não economize no trabalho e cave fundo sem preguiça.” Valdeci terminou sua leitura e viu que cavar sepulturas era um negócio sério.
Na manhã seguinte Valdeci estava cedo no cemitério, pronto para colocar em prática tudo o que havia estudado no manual do coveiro.
Três horas depois, Valdeci estava feliz, voltando para casa com uma sacola embaixo do braço direito, onde guardava seu novo uniforme e o manual do coveiro, pois no dia seguinte iniciaria sua carreira nas artes funerárias.
Ísis Vieira

quinta-feira, 10 de março de 2011

Abraços Grátis (2010)

Depois de fazer um trabalho de recortar, colar e apresentar, figuras, frases e palavras com potencial narrativo. Mesmo sem acreditar que a turma toparia fazer a atividade, a professora sugeriu que os alunos saíssem distribuindo abraços grátis pelo campus de Ondina. Cinco deles aceitaram com empolgação o desafio de sair abraçando os estranhos que cruzassem seus caminhos, enquanto os outros observavam, fotografavam e filmavam.

Os primeiros abraços foram na saída do PAF III, de forma espontânea, mas foi em frente ao instituto de letras que os abraços começaram a me chamar a atenção, pois um grupo de estudantes que passava, além de abraçar, incitou outros a fazerem o mesmo.

Fomos para a biblioteca central, onde muitas pessoas que estavam perdidas em meio aos seus papéis foram resgatadas para ganhar abraços. O lugar reservado ao silêncio foi invadido por alegres distribuidores de abraços. Um rapaz que havia escolhido este lugar tranqüilo para um cochilo no meio da tarde foi acordado para receber abraços. Não havia porta que impedisse os distribuidores de abraços, muitas foram as salas e os departamentos invadidos.

Durante a visita à biblioteca o grupo de distribuidores de abraços aumentou com a presença de Rafael, um estudante de Engenharia de Automação de Processos Industriais, que além de abraços distribuía beijos também.

Antes de voltarmos para a sala de aula visitamos os pedreiros da obra no instituto de letras e a faculdade de comunicação, onde fomos recebidos em uma sala com uma porta na cara. Grosserias a parte, fomos bem recebidos em diversos lugares e por diversas pessoas. Quando não pela simpatia, pelo cansaço, pois algumas pessoas só foram abraçadas depois de muita insistência e perseguição pelas ruas e estacionamentos do campus.

Mesmo não tendo me candidatado para distribuir abraços, não saí dessa impune, pois no corredor de nossa sala de aula ganhei um abraço, de uma das últimas pessoas que recebeu abraços grátis.
Ísis Vieira

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A Sorte Grande (2010)

Doze anos se passaram desde que Francisco foi para a prisão.

Todos os sábados Francisco ia a uma cidade vizinha, que ficava a cerca de 30 km de distância, para comprar os mantimentos para a sua família. Como não tinha carro, nem bicicleta, e os ônibus passavam em apenas dois horários inviáveis, Francisco fazia o caminho a pé com seu carrinho de mão.

Neste sábado Francisco pensou ter tirado a sorte grande, pois quando estava voltando para casa um caminhão que estava passando lhe ofereceu carona, mas se ele soubesse que aquela carona lhe resultaria em doze anos na prisão teria seguido seu caminho a pé.

No meio do caminho havia uma viatura da polícia fazendo uma blitz, pois havia recebido a denúncia de que um caminhão havia sido roubado na noite anterior, e o motorista havia sido levado como refém. Como aquela era uma rodovia com grande circulação de caminhões, a polícia decidiu fazer uma blitz ali também.

Francisco percebeu que o motorista do caminhão, ao avistar a blitz, ficou ansioso e tentou mudar de direção, mas já era tarde e a policia fez com que encostassem. Com armas em punho ordenaram que descessem do caminhão com as mãos para cima. Francisco que nunca havia conversado com um policial na vida ficou apavorado.

Enquanto dois policiais revistavam Francisco e o motorista, outro foi checar a carroceria do caminhão, e no fundo, enrolado em um saco plástico encontrou o corpo de um homem com uma faca cravada em seu peito.

O motorista que havia sido reconhecido pela polícia como ladrão de caminhões e seqüestrador do verdadeiro motorista daquele caminhão, não perdeu tempo e acusou Francisco de mandante e cúmplice do crime.

Doze anos se passaram desde o dia em que Francisco foi mandado para a prisão. Sua família lhe abandonou e seus amigos desapareceram.

Hoje Francisco foi solto, e saiu da prisão decidido a voltar pra casa. Pegou um trem para a cidade vizinha onde morava antes de ser preso. Ao chegar à estação passa em uma banca de jornais, decidido a se atualizar das coisas que aconteceram enquanto estava na prisão. Tira o último cigarro do bolso e antes de acendê-lo se depara com a foto do homem que o colocou na prisão na capa do jornal, com a seguinte manchete: “Prefeito eleito toma posse nesta segunda-feira”. Guarda o cigarro no bolso e rindo agarra o braço de uma mulher que passa e lhe pergunta: “Que lugar é esse? Que lugar é esse?
Ísis Vieira

A Partida (2010)

Há pelo menos dois anos espero pela minha promoção a capitão do exercito brasileiro, e esse dia finalmente chegou. É hoje! Mas com a promoção vem a missão, coordenar um grupo de militares no Haiti. Um ano terei de passar fora de casa. Acredito na causa, mas esta partida não veio em um bom momento.

Cheguei em casa mais cedo para arrumar minhas coisas para a partida de amanhã. Como esta seria minha última noite no Brasil, decidi preparar um jantar romântico para minha noiva, para comemorar minha promoção, além de tornar a noite de despedida especial. Antes passei no florista e comprei um buquê de lírios cor-de-rosa, que são as flores preferidas dela.

Durante o jantar contei-lhe da promoção, e antes de anunciar que partiria na manhã seguinte, falou agitada, de tanta felicidade, todos os planos que tinha para o nosso casamento, que aconteceria em três meses, como essa promoção veio em um bom momento e o quanto ajudaria financeiramente nosso casamento. Mesmo sem querer deixá-la triste, precisei dar o restante da notícia. Seu rosto murchou na hora. Perguntou-me se não poderia adiar esta viagem, já que nosso casamento estava tão próximo. Respondi que não, e um lado que eu não conhecia nela aflorou. Seus olhos brilhavam como fogo de tanta raiva. Jogou a taça de vinho que tinha na mão contra mim. Tentei acalmá-la dizendo que não desistiria do casamento, pois ele seria apenas adiado por alguns meses, que um ano passa muito rápido e logo estaria de volta para casar e passar o resto de minha vida ao seu lado. Mas ela foi impassível. Disse que eu tinha até o café da manhã para mudar de idéia. Caso contrário, ela partiria naquela manhã e eu nunca mais a veria.

Na manhã seguinte levantei cedo, preparei o café, fervi o leite e a esperei levantar. Quando ela veio para o café, viu minha mala pronta ao lado da porta. Sentou a mesa, e encheu uma xícara com café e leite. Sem me olhar ou dirigir qualquer palavra, pegou o jornal e abriu como um muro entre nós. Acendeu um cigarro e soltou anéis de fumaça no ar. Levantou, vestiu a capa que eu dei, abriu a porta e partiu na chuva para eu nunca mais vê-la, pois tudo o que queria era me fazer chorar.
Ísis Vieira

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Em Busca do Ouro (2010)

Nenéia era a sexta de sete irmãos. Uma menina muito inteligente e de mente igualmente criativa. Geralmente era bem comportada, mas de vez em quando tinha idéias pouco ajuizadas. Como da vez em que decidiu atirar um pedaço de pau em um ônibus e, por azar, atingiu o motorista que estava com a janela aberta. É claro que na hora ela sumiu e deixou seus irmãos levarem a bronca do motorista em seu lugar. Desde então, Nenéia decidiu não ter mais idéias tão malvadas.

Um dia, depois de muito observar o pasto em frente a sua casa e um brilho no fundo dele, Nenéia chegou à conclusão de aquele brilho só podia ser ouro. E ela é quem iria encontrá-lo. Lembrou da promessa que havia feito a si mesma sobre não se meter mais em confusão. Mas uma pequena expedição em busca de ouro, que poderia ajudar sua família, não seria confusão e decidiu aproveitar a distração de sua mãe com as visitas para embarcar em uma aventura. Não sem antes se preparar. Pegou uma sacola onde colocou suco e biscoitos, pois a expedição poderia lhe causar fome. Mas ainda faltava alguma coisa: um cachorro. Como não tinha um, decidiu levar Toby, o cachorro da vizinha, emprestado.

Já haviam se passado dez minutos de caminhada e aquele pasto não parecia ter fim. Enquanto isso, Nenéia fazia planos sobre o que faria com o ouro depois de encontrá-lo. A boneca que compraria para ela, os brinquedos que daria aos seus irmãos, o violão novo para o seu pai e o restante decidiu que daria para a sua mãe.

Depois de cerca de meia hora de caminhada Nenéia finalmente chegou ao final do pasto, mas o que encontrou não lhe deixou feliz. No final do pasto havia uma vala e na beirada da vala havia muitos sacos de areia. O brilho que Nenéia via nada mais era do que os raios de sol que batiam na água e refletiam. Frustrada com a descoberta decidiu fazer o seu lanche antes de ir pra casa. Sentou nos sacos de areia e dividiu seus biscoitos com Toby.

No caminho para casa Nenéia teve outra surpresa. O pasto que estava vazio na ida estava cheio de vacas na volta. Sorte sua ter trazido Toby, pois com ele poderia afugentar as vacas de seu caminho e chegar em casa com segurança. Distraída com as vacas Nenéia caiu em um buraco cheio de lama. O problema é que o buraco era fundo e Nenéia já estava com lama acima dos joelhos. Desesperada segurou a guia deToby com força enquanto o cachorro se esforçava para se soltar. Como Toby era um cachorro forte, conseguiu arrastar Nenéia para fora do buraco. Agradecida prometeu um osso bem grande a Toby. Toda suja de lama, Nenéia correu para casa, e ao chegar encontrou sua mãe aflita em frente ao portão de casa, pois estava a sua procura.

Durante o seu castigo por ter saído escondida e voltar para casa toda suja de lama, Nenéia decidiu não se aventurar mais sozinha, mesmo que fosse para encontrar um grande tesouro.
Ísis Vieira

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Vida de Cão (2010)

Três anos e nove meses foi o tempo que durou o período de minha vida que ouso chamar de vida de cão.

Tudo começou em uma quarta-feira de sol, no dia 28 de setembro de 2002, quando fui fazer minha entrevista para trabalhar como auxiliar de estética canina em um pet shop no centro de Florianópolis. Achei o máximo, pois sempre adorei os bichinhos, e seria uma oportunidade de voltar ao mercado de trabalho, após dois anos de desemprego. Saí da entrevista maravilhada. Não via a hora de chegar segunda-feira, para oficialmente começar meu trabalho.

Estava tão maravilhada de passar os dias lavando, escovando e embelezando cães e gatos. Eram tantas raças. Animais de todos os tamanhos, idades e temperamentos. Quanto mais difícil, mais eu gostava. Cães bravos? Deixa comigo. Queria sempre mostrar o quanto era competente, mas as pessoas ao invés de te respeitarem por isso acabam te explorando. Com o passar do tempo as coisas foram ficando difíceis no salão, pois havia muita competição para ver quem pegava o animal mais fácil para dar banho, alguns colegas eram impacientes e agressivos com os animais. Sem contar o assédio moral que sofria por parte de todos. Desde a dona do pet shop aos colegas de trabalho.

Durante muito tempo tentei conquistar uma vaga como vendedora na loja, e para isso sempre me mantive disponível para ajudar quando necessário, e aproveitava estes pequenos momentos para mostrar todo o meu talento para as vendas, desde rações e artigos para cães e gatos, quanto para vender filhotes de cães de dois mil reais. Muitos foram os clientes que entraram na loja para comprar uma cama e um saco de ração e saíram com quase quinhentos reais em compras, pois compravam tudo o que eu lhes mostrava, com muita atenção e simpatia.

Apesar de todos os meus esforços para conseguir uma vaga na loja, meu destino era passar a vida no salão, comendo pêlos, levando mordidas e arranhões, o que não era pouco, e viver sem nenhuma perspectiva de promoção.

No pet shop também funcionava um consultório veterinário, onde atendia uma veterinária homeopata, Giovanna. Sempre que meu auxílio era solicitado, lá estava eu pronta para ajudar. Com o tempo fui ficando amiga da Giovanna e desabafava com ela quando as coisas iam mal no trabalho. E como nunca tive segredos em minha vida, ela sabia de muitas coisas pessoais.

Um dia Giovanna recebeu uma oportunidade de trabalho em Portugal e decidiu partir. Senti uma ponta de tristeza, pois deixaria de ver uma amiga todos os dias. Mas mantivemos contato por e-mail enquanto ela estava fora do país.

Um ano se passou e muitas foram as pessoas que trabalharam comigo. Muitos entraram e saíram. A qualidade do pet shop mais conhecido da cidade foi caindo. Muitos foram os cães e gatos que freqüentaram o lugar. Alguns até hoje vivem no meu coração.

Muitas foram as coisas que aconteceram em minha vida durante o período em que trabalhei naquele pet shop. Coisas boas e ruins, como sair da casa da minha mãe, passar no vestibular, ficar noiva. E muitos também foram os momentos bons e ruins que vivi nestes três anos e nove meses como auxiliar de estética canina.

Um ano após sua partida, Giovanna voltou para o Brasil e para o pet shop onde eu trabalhava. Em uma quinta-feira depois de muito trabalho foi anunciado aos dez funcionários do pet shop que a partir de segunda-feira a nova proprietária seria Giovanna. Devo ter sido a única pessoa feliz com a notícia, pois imaginava que com esta mudança minha vida no pet shop ficaria menos difícil, mas estava redondamente enganada.

Meus últimos seis meses como auxiliar de estética canina sob a direção de Giovanna foram os piores meses da minha vida, pois a minha “amiga” Giovanna começou a usar contra mim o que eu lhe havia confiado durante os anos em que ela não era minha chefe. Acordar para ir trabalhar era deprimente, pois ficava imaginando todo o dia de assédios morais que me esperava. Foram dias infelizes em que era pressionada a pedir demissão.

Procurei outros trabalhos durante esse período, mas não tive muito sucesso. Como precisava do trabalho para o meu sustento, e não pude me dar o luxo de sair de lá sem ter outro trabalho em vista. Decidi ser firme e agüentar. Se quiserem que eu vá embora, terão que me demitir e pagar todos os meus direitos.

No final de um dia de trabalho, em uma quinta-feira, fui chamada no escritório da Giovanna para uma conversa e saí de lá com uma carta de demissão. Fiquei tão feliz que quase lhe dei um beijo, mas não queria que ela soubesse da minha felicidade. Quando cheguei na copa, encontrei meu amigo Carlos, que se casou com uma das minhas primas, e lhe disse nessas palavras: “Carlos, o meu tempo já se cumpriu. É chegado o momento em que tenho de partir.” Dividi minha alegria com ele, que também ficou feliz comigo. Nunca pensei que ficaria tão feliz com uma demissão. Sentia como se aquela carta de demissão fosse uma carta de alforria, que dias melhores viriam.

Durante as três semanas de aviso prévio que cumpri a Giovanna começou a me tratar um pouco diferente, como se sentisse remorso por ter me demitido e vivia perguntando se eu ficaria bem. Respondia que sim, mas deixava que ela sentisse culpa depois de todo o sofrimento que me fez passar. Apesar de naquele momento estar feliz com a proximidade de minha partida.

Dia 23 de junho de 2006 foi o último dia que lavei um cão ou gato que não fosse meu. Cerca de um ano depois fiz um teste para trabalhar como vendedora de outro pet shop na cidade, cargo que durante muito tempo tentei conquistar no pet shop onde havia trabalhado anteriormente. Fiquei uma manhã no lugar e provavelmente o cargo seria meu, mas fiquei desesperada quando me vi fazendo as mesmas coisas que fazia no outro pet shop, tendo o mesmo tipo de conversa com colegas e clientes. Depois do almoço decidi que não poderia trabalhar naquele lugar e em nenhum outro pet shop. Mesmo amando os animais, decidi que enquanto eu puder, só entrarei em um pet shop como cliente.
Ísis Vieira

Rotina (2010)

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Ísis Vieira

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O Juízo Final (2006)

Depois de passar horas em frente ao computador, finalmente terminei meu trabalho de Teoria da Literatura. Olhei para o relógio e vi que já era hora de dormir, então fui para cama. Depois de duas horas rolando na cama de um lado para o outro é que fui conseguir dormir.

Acordei empolgada às oito horas da manhã, pois já havia terminado o trabalho, e poderia aproveitar o meu terceiro dia de férias trabalhistas. Olhei pela janela como de costume, para ver como estava o clima, se havia sol, chuva, ou sei lá, qualquer coisa. Achei estranho ainda ser noite, então consultei o relógio, para confirmar as horas, se já era de manhã, ou se ainda era de madrugada. A hora estava correta. Quando voltei a olhar para o céu, bolas de fogo começaram a cair. Pensei: - Estou louca! Esfreguei os olhos para ter certeza de que não era loucura. Infelizmente, eu não estava louca. Poderia estar dormindo, então dei tapas em meu rosto para acordar, mas eu já estava acordada, e só me trouxe dor.

Voltei a olhar para a rua, e bolas de fogo caiam do céu. Só em meu pátio, pelo menos oito haviam caído. Minha vizinha que todas as manhãs saía para passear com os seus cães estava voltando para casa, quando uma dessas bolas atingiu sua cabeça. Outros vizinhos ficaram horrorizados e saíram para a rua com a intenção de ajudá-la, mas era tarde. Seu crânio estava em chamas. Mais pessoas saíram para ver o que havia acontecido, formavam um círculo em volta do corpo estendido na rua, quando uma bola de fogo quinze vezes maior caiu sobre eles, abrindo uma cratera no meio da rua. Ninguém se salvou.

Meu telefone tocou. Era meu pai, pedindo desculpas por tudo que havia feito comigo. Tentou me dizer mais alguma coisa, talvez um aviso. Não pude saber, pois o telefone ficou mudo. Pela janela, gritei a minha vizinha do lado se poderia usar o seu telefone, mas não havia sinal nos telefones. Fiquei desesperada, quase entrei em pânico.

Minha cadela começou a latir para mim, e eu não entendia o que queria. Perguntava angustiada: - O que foi? E ela só latia. Resolvi segui-la. Foi quando caíram em minha sala um anjo e um demônio lutando bravamente. Quando os vi dei um grito. Meu grito distraiu o anjo, que levou uma espadada do demônio, que se voltou para mim com a intenção de me matar. Como um milagre, minha cadela encheu-se de coragem e mordeu a perna do demônio. Era tudo o que o anjo precisava para pegar um martelo embaixo da minha pia da cozinha e acertar a cabeça do infeliz. O golpe foi certeiro. O corpo do demônio sumiu em uma fumaça negra. Fui tentar ajudar o anjo, mas era tarde demais para ele também. E em meio a uma fumaça clara também sumiu.

Como se fossem vozes do além pronunciavam às pessoas: - Larguem tudo o que estão fazendo, e sigam para o campo da UFSC, pois lá serás julgado. Percebi então que era chegado o dia. Não imaginava que chegaria tão cedo, mas obedeci. Troquei de roupa correndo, agarrei a cadela com uma mão, e coloquei-a debaixo do braço, e com a outra mão peguei o trabalho, que havia feito na noite anterior, pois tinha a esperança de encontrar o professor para entregá-lo.

Ao sair de casa, vi que não caiam mais bolas de fogo do céu. Então me pus ao caminho do campo que fica próximo da minha casa. No meio do caminho o chão começou a tremer e a se abrir. Em meio as rachaduras corriam rios de sangue, e as pessoas gritavam desesperadas.

Em meio as turbulências consegui chegar ao campo, onde uma multidão de pessoas eram julgadas. Procurei por conhecidos, mas só encontrava estranhos. Peguei minha senha com um anjo, que já havia pronunciado: - Todos os animais vão para o céu sem passar pelo julgamento. Deixei minha cadela partir e fiquei esperando a minha vez.

Dez horas se passaram, até chegar a minha vez. Neste meio tempo, muitos subiram e outros tantos desceram. Nunca pensei que um dia presenciaria isso, Cristo e o Demônio, sentados lado a lado. Cada qual com um livro na mão. No livro de Cristo, estavam escritos todas as coisas boas que eu fiz na vida, e no livro de Demônio, todas as coisas ruins. Fiquei assustada com a grossura dos livros, e vi que o julgamento seria longo. E quando senti que o Demônio estava levando vantagem, lembrei do filme, “O auto da compadecida”, e pedi interseção a Mãe Santíssima, que por graça divina veio em meu socorro. Depois de um pouco mais de conversa, consegui me livrar do inferno.

Chegando ao céu fui a busca de conhecidos. Encontrei minha cadela, meu namorado e alguns amigos. Contei-lhes o que havia acontecido. Depois de algum tempo, lembrei que não havia encontrado o professor, para entregar o trabalho.

Fui ao encontro de São Pedro para saber se o professor estava no céu. Ele consultou sua lista, e viu que tinha ido para o inferno, onde há choro e ranger de dentes. Na hora fiquei com raiva, pois havia tido tanto trabalho para o professor ir para o inferno, mas me compadeci de sua alma. E minha misericórdia ajudou-o a sair do inferno, de onde seguiu para o purgatório, onde pagaria por seus pecados, que por motivo de sigilo não poderei relatá-los.

Dezessete anos passaram como num piscar de olhos, e muitos conseguiram alcançar o céu neste meio tempo. O professor também conseguiu, e finalmente consegui entregar-lhe meu trabalho.

Com esta sensação de alívio acordei, e vi que tudo não passara de um sonho. Mas como os sonhos muitas vezes nos trazem mensagens, talvez este dia esteja próximo. Só espero que não seja hoje, pois preciso entregar meu trabalho.
Ísis Vieira

Objetivo do Blog

Este blog será utilizado para partilhar as minhas produções de escrita criativa.
Espero que gostem! :)