sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Vida de Cão (2010)

Três anos e nove meses foi o tempo que durou o período de minha vida que ouso chamar de vida de cão.

Tudo começou em uma quarta-feira de sol, no dia 28 de setembro de 2002, quando fui fazer minha entrevista para trabalhar como auxiliar de estética canina em um pet shop no centro de Florianópolis. Achei o máximo, pois sempre adorei os bichinhos, e seria uma oportunidade de voltar ao mercado de trabalho, após dois anos de desemprego. Saí da entrevista maravilhada. Não via a hora de chegar segunda-feira, para oficialmente começar meu trabalho.

Estava tão maravilhada de passar os dias lavando, escovando e embelezando cães e gatos. Eram tantas raças. Animais de todos os tamanhos, idades e temperamentos. Quanto mais difícil, mais eu gostava. Cães bravos? Deixa comigo. Queria sempre mostrar o quanto era competente, mas as pessoas ao invés de te respeitarem por isso acabam te explorando. Com o passar do tempo as coisas foram ficando difíceis no salão, pois havia muita competição para ver quem pegava o animal mais fácil para dar banho, alguns colegas eram impacientes e agressivos com os animais. Sem contar o assédio moral que sofria por parte de todos. Desde a dona do pet shop aos colegas de trabalho.

Durante muito tempo tentei conquistar uma vaga como vendedora na loja, e para isso sempre me mantive disponível para ajudar quando necessário, e aproveitava estes pequenos momentos para mostrar todo o meu talento para as vendas, desde rações e artigos para cães e gatos, quanto para vender filhotes de cães de dois mil reais. Muitos foram os clientes que entraram na loja para comprar uma cama e um saco de ração e saíram com quase quinhentos reais em compras, pois compravam tudo o que eu lhes mostrava, com muita atenção e simpatia.

Apesar de todos os meus esforços para conseguir uma vaga na loja, meu destino era passar a vida no salão, comendo pêlos, levando mordidas e arranhões, o que não era pouco, e viver sem nenhuma perspectiva de promoção.

No pet shop também funcionava um consultório veterinário, onde atendia uma veterinária homeopata, Giovanna. Sempre que meu auxílio era solicitado, lá estava eu pronta para ajudar. Com o tempo fui ficando amiga da Giovanna e desabafava com ela quando as coisas iam mal no trabalho. E como nunca tive segredos em minha vida, ela sabia de muitas coisas pessoais.

Um dia Giovanna recebeu uma oportunidade de trabalho em Portugal e decidiu partir. Senti uma ponta de tristeza, pois deixaria de ver uma amiga todos os dias. Mas mantivemos contato por e-mail enquanto ela estava fora do país.

Um ano se passou e muitas foram as pessoas que trabalharam comigo. Muitos entraram e saíram. A qualidade do pet shop mais conhecido da cidade foi caindo. Muitos foram os cães e gatos que freqüentaram o lugar. Alguns até hoje vivem no meu coração.

Muitas foram as coisas que aconteceram em minha vida durante o período em que trabalhei naquele pet shop. Coisas boas e ruins, como sair da casa da minha mãe, passar no vestibular, ficar noiva. E muitos também foram os momentos bons e ruins que vivi nestes três anos e nove meses como auxiliar de estética canina.

Um ano após sua partida, Giovanna voltou para o Brasil e para o pet shop onde eu trabalhava. Em uma quinta-feira depois de muito trabalho foi anunciado aos dez funcionários do pet shop que a partir de segunda-feira a nova proprietária seria Giovanna. Devo ter sido a única pessoa feliz com a notícia, pois imaginava que com esta mudança minha vida no pet shop ficaria menos difícil, mas estava redondamente enganada.

Meus últimos seis meses como auxiliar de estética canina sob a direção de Giovanna foram os piores meses da minha vida, pois a minha “amiga” Giovanna começou a usar contra mim o que eu lhe havia confiado durante os anos em que ela não era minha chefe. Acordar para ir trabalhar era deprimente, pois ficava imaginando todo o dia de assédios morais que me esperava. Foram dias infelizes em que era pressionada a pedir demissão.

Procurei outros trabalhos durante esse período, mas não tive muito sucesso. Como precisava do trabalho para o meu sustento, e não pude me dar o luxo de sair de lá sem ter outro trabalho em vista. Decidi ser firme e agüentar. Se quiserem que eu vá embora, terão que me demitir e pagar todos os meus direitos.

No final de um dia de trabalho, em uma quinta-feira, fui chamada no escritório da Giovanna para uma conversa e saí de lá com uma carta de demissão. Fiquei tão feliz que quase lhe dei um beijo, mas não queria que ela soubesse da minha felicidade. Quando cheguei na copa, encontrei meu amigo Carlos, que se casou com uma das minhas primas, e lhe disse nessas palavras: “Carlos, o meu tempo já se cumpriu. É chegado o momento em que tenho de partir.” Dividi minha alegria com ele, que também ficou feliz comigo. Nunca pensei que ficaria tão feliz com uma demissão. Sentia como se aquela carta de demissão fosse uma carta de alforria, que dias melhores viriam.

Durante as três semanas de aviso prévio que cumpri a Giovanna começou a me tratar um pouco diferente, como se sentisse remorso por ter me demitido e vivia perguntando se eu ficaria bem. Respondia que sim, mas deixava que ela sentisse culpa depois de todo o sofrimento que me fez passar. Apesar de naquele momento estar feliz com a proximidade de minha partida.

Dia 23 de junho de 2006 foi o último dia que lavei um cão ou gato que não fosse meu. Cerca de um ano depois fiz um teste para trabalhar como vendedora de outro pet shop na cidade, cargo que durante muito tempo tentei conquistar no pet shop onde havia trabalhado anteriormente. Fiquei uma manhã no lugar e provavelmente o cargo seria meu, mas fiquei desesperada quando me vi fazendo as mesmas coisas que fazia no outro pet shop, tendo o mesmo tipo de conversa com colegas e clientes. Depois do almoço decidi que não poderia trabalhar naquele lugar e em nenhum outro pet shop. Mesmo amando os animais, decidi que enquanto eu puder, só entrarei em um pet shop como cliente.
Ísis Vieira

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